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Sea World, Florida e a baleia assassina

O nome dele é Tilikum. E essa é uma história que eu nunca engoli.

Acredito que poucas pessoas sabiam o nome verdadeiro dele até a bomba estourar em fevereiro de 2010. Acredito até que poucas pessoas sabiam que ele era macho. Eu não sabia. Como falantes da Língua Portuguesa, atribuímos gêneros aos substantivos e às vezes esquecemos que “baleia” é um substantivo feminino, mas baleia é mamífero, portanto, há o macho e a fêmea. A mesma coisa (às vezes de forma inversa) acontece com outras espécies: golfinho, arara, papagaio, tubarão – para tudo isso há ambos os gêneros. Tudo isso só para ressaltar essa curiosidade: A baleia Tilikum é um menino.

Eu tive a sorte de ver Tilikum ao vivo três vezes na minha vida. Nos anos 90, viajei para o exterior várias vezes. Meus pais nunca foram ricos, e as viagens que fizemos lhes custou muito esforço e horas extras no trabalho. Sou muito grata a eles por ter tido oportunidades de conhecer lugares inesquecíveis. E assim, eu me apaixonei por cidades maravilhosas da Europa e lugares fantásticos dos Estados Unidos. Conheci poucos lugares, mas o meu preferido ainda é a Flórida. Todos os parques dentro e fora do Complexo Disney são realmente mágicos. É difícil eleger o meu favorito. Não vou ao exterior há treze anos, mas as lembranças ainda são muito claras. Poderia escrever dezenas de textos descrevendo cada pedacinho de magia da Flórida, por exemplo, mas hoje eu gostaria de escrever sobre um parque específico: O Sea World.

Eu não conheço a história do Sea World por pura preguiça, mas sei que eles não estão no lado negro da força. Acredito que a ideia de seus criadores tenha sido proporcionar ao mundo, uma pequena amostra do mar, e dar uma oportunidade fantástica aos seus visitantes: um contato com criaturas magníficas como nunca antes imaginado. E eles acertaram a fórmula na veia. Foi somente no Sea World que eu tive a sorte de tocar um golfinho e ver um urso polar – animal que admiro desde muito pequena – tão perto. Lembro que essa experiência me custou amígdalas inflamadas. O local em que o urso ficava era extremamente gelado, mesmo “do lado de cá” do vidro, mas o dia em que vivenciei a fantástica experiência de ver esse animal tão lindo de perto, pouco me importei de sentir gelados até os ossos devido à temperatura do local, de tanto encantamento. Eu brinquei com os leões marinhos, e me diverti ao descobrir o quanto ficam bravos e o gesto divertidíssimo que fazem com a cabeça quando te pedem que lhes atirem o peixinho que você tem nas mãos. Os pingüins são lindos e os tubarões e as arraias, impressionantes! Vamos então falar da Shamu, a estrela do Sea World. Ela é o símbolo do logo do parque e dotada de uma inteligência nada subestimável. Todos os visitantes do Sea World sempre aguardaram o momento de assistir ao seu show com muita ansiedade!

A magia de todo o parque fez com que eu ficasse totalmente… cega. E egoísta. E envergonhada, também. Como pude ser tão covarde e permitir que meus pais pagassem para que eu visse toda essa palhaçada de perto? Como eu não percebi que eu fiz desses animais, verdadeiros palhaços de circo para a minha própria alegria e entretenimento? Quem disse que temos o direito de transportar um urso polar – animal em perigo de extinção – do Ártico, trazê-lo para dentro de um cativeiro gelado em plena faixa tropical do planeta Terra achar que está tudo bem? Um golfinho é capaz de mergulhar até 280 metros nos oceanos. Vocês sabiam disso? DUZENTOS E OITENTA METROS! Qual é a profundidade do tanque mais fundo do Sea World? Sei que está longe de chegar a 280 m. E os pengüins da Antártida? Como chegaram á Flórida? Sob quais condições? Esses bichos são submetidos a estresse? Imagina se você fosse uma baleia, sendo mais específica, imagina se você fosse a Shamu, o Tilikum aqui em questão. Onde você nasceu? Oras, se nasceu em cativeiro, não me diga que não há problema algum mantê-lo numa piscina (tanque). Você não gostaria de ser mantido no seu apartamento para o resto de sua vida, certo? Você poderia até ganhar um chocolatinho da sua mamãe adotiva toda vez que fizesse gracinha para as visitas ou a lição de casa direitinho, não é mesmo? Acho que fatalmente, você acabaria um dia, mordendo a mamãe. E mordendo feio, mesmo se ela te tratasse bem. Afinal, vocês são de espécies diferentes e sendo irracional, não precisa justificar porquê a mordeu. Mas ela precisa justificar porquê o tenha prendido.

Tilikum matou sua fiel treinadora, essa que você vê na foto, no começo desse texto. Vê algum sinal de agressão por parte da treinadora na foto? Não. Pelo contrário, vê amor puro. Parte meu coração em mil pedaços ao pensar o que essa moça sofreu nos últimos minutos de vida . Tilikum era seu filhote, seu bicho de estimação. Estimação vem da palavra estimar, estima, afeto, carinho. E ela foi traída, atacada pelas costas (na verdade, Tilikum a puxou pelo rabo de cavalo enquanto ela estava de pé, do lado de fora da água) e agredida até a morte. De quem é a culpa? Do Tilikum, a baleia assassina? Baleia Assassina. Nenhum exemplar dessa espécie se apresentou ao Homem dessa forma: “Oi, eu sou a Baleia Assassina.” Nós os chamamos assim, por observar seu comportamento agressivo na natureza. Eles são agressivos mesmo. Certa vez, vi no National Geographic que o nível de agressividade da orca ( Orcinus orca ) supera o do Tubarão Branco, o peixinho mais temido dos mares. As orcas são “cruéis”. Nadam em bandos e brincam com com suas presas, jogando-as umas às outras. Eu vi orcas fazendo isso com focas. Não é bonito, mas não é culpa delas – é a natureza. Mas enfim, de quem é a culpa? Do próprio Tilikum, o exemplar da espécie em cativeiro, ou do exemplar falante de uma espécie bípede que o colocou lá?

Portanto, como uma pessoa completamente borderline, peço desculpas às focas, golfinhos, orcas, leões marinhos, tubarões, e tantos outros bichos para os quais sorri em liberdade, do lado de fora do cativeiro para minha própria diversão. Sei muito bem que vocês não estão aí para isso. Vocês não cometeram nenhum crime que justificasse qualquer tipo de confinamento. Me perdoem. Não, vocês não estão aí para a diversão humana. Eu sei disso. Vocês merecem o mar, a Savana, o Ártico gelado, a Antártida deserta, o Saara, as florestas, os rios, etc. E que eu jamais permita que meu instinto pão e circo renasça, fazendo com que eu julgue normal ver qualquer espécie dentro de um tanque, de uma caixa de vidro ou atrás das grades, pois ultimamente a conclusão que tiro de tudo isso é que o único bicho que merece qualquer confinamento para que todos os outros se mantenham protegidos, é aquele bicho bípede que se diz evoluído, e que se acha Deus o suficiente para ter controle sobre todas as outras criaturas do mundo. Darwin deixou bem claro: somos adaptados. E os mais adaptados sobrevivem. Evoluídos? Estamos bem longe disso.